sexta-feira, 1 de julho de 2022

Oficial do serviço secreto da Ucrânia denuncia crimes do regime de Kiev, em entrevista ao HP

 

"O objetivo final de Kiev era suprimir qualquer dissidência e semear o medo na mente das pessoas", diz Vassily Prozorov (Imagem de vídeo da RT)

“Ao longo de oito anos após o golpe da Praça Maidan, milhares de crimes de guerra foram cometidos pelas forças de segurança ucranianas contra civis”, afirma o tenente-coronel Vasily Prozorov

Em entrevista exclusiva à Hora do Povo, Vasily Prozorov, tenente-coronel do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) – onde atuou de 1999 até o final de 2017 -, falou sobre o que o governo da Ucrânia e a mídia subordinada a Washington escondem: o caráter antidemocrático do regime de Kiev, com perseguições políticas, assassinatos, crimes de guerra e bombardeios a alvos civis, e a ascensão de grupos neonazistas

Enquanto oficial do serviço secreto ucraniano, foi testemunha da interferência dos Estados Unidos no golpe de estado de 2014, da ajuda do novo governo para a formação de milícias neonazistas e da perseguição e assassinatos contra jornalistas e políticos da oposição.

Atualmente, Vasily Prozorov mantém o site Ukraine Leaks (ukr-leaks.com) onde divulga documentos secretos do governo ucraniano e do SBU que comprovam os crimes que ele denuncia. O ex-agente escreveu e publicou dezenas de artigos sobre a formação e a atuação de grupos neonazistas na Ucrânia, que podem ser encontrados em seu site.

Abaixo a íntegra da entrevista:

Hora do Povo- Qual era sua função dentro do SBU? Como membro da Inteligência, qual foi sua participação nos conflitos do Donbass?

Vasily Prozorov- A partir de 1999, eu fui funcionário do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU). Durante muito tempo trabalhei em unidades operacionais, em particular nas unidades de combate à corrupção e ao crime organizado. Desde abril de 2014, comecei a trabalhar no Centro Antiterrorista do SBU, que dirigiu a chamada Operação Antiterrorista (ATO) no Donbass. Trabalhei lá até o final de 2017.

Desde abril de 2014, voluntariamente, por motivos ideológicos, comecei a cooperar com os serviços especiais da Rússia, pois queria lutar a qualquer custo contra aqueles que chegaram ao poder em Kiev em fevereiro de 2014.

No quartel-general  do Centro Antiterrorista do Conselho de Segurança da Ucrânia, fui oficial de ligação com outras estruturas policiais e estatais, o que me permitiu receber informações de vários serviços e departamentos especiais da Ucrânia. A informação obtida desta forma, eu transmitia para Moscou.

HP – Os eventos da Praça Maidan, que terminaram no golpe de Estado de 2014, contaram com o apoio e a presença pública de autoridades de Washington, que também dirigiram a composição do governo golpista. Houve interferência direta, com inteligência ou assessoria militar, e ação política dos EUA e outros países da OTAN nos eventos de 2014?

VP – Sim. Autoridades dos EUA, como por exemplo, Victoria Nuland, viajavam repetidamente a Kiev durante o período do “Euromaidan” para apoiar os partidários da oposição. Os representantes do Ocidente não escondiam isso. Em fevereiro de 2014, foram os países ocidentais que prometeram ao presidente Viktor Yanukovych uma solução pacífica para o conflito e simplesmente o enganaram, dando aos revoltosos a oportunidade de tomar o poder em Kiev.

Victoria Nuland, então sub-secretária de Estado e o embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt. Em 2014, foi publicada na internet a gravação de uma ligação em que os dois combinam a composição do governo ucraniano pós-golpe (Arquivo)

Depois disso, os países ocidentais forneceram regularmente a Kiev apoios dos mais variados – desde puramente militar e financeiro até de inteligência. As coisas chegaram ao ponto em que, em 2015, o SBU criou um ponto de acesso para fotografias de satélites espiões americanos. Este serviço foi fornecido pelo SBU à CIA dos EUA.

E o treinamento de militares e oficiais de inteligência ucranianos pelos países ocidentais começou em 2014 em vários polígonos [de tiro, como campos de treinamento] e centros de formação tanto no território da Ucrânia como no seu próprio território.

HP- Existem registros de perseguições políticas, como fechamento de partidos, prisão e tortura de jornalistas e de lideranças. Como esses fatos aconteceram? Quem praticava esse tipo de perseguição? Qual a importância dessa repressão para a política de Kiev?

VP- Imediatamente após o Maidan, o novo poder de Kiev estava bem ciente de que os sentimentos pró-Rússia são fortes no país. Portanto, desde o início de seu domínio, eles começaram a destruir seus oponentes. E muitas vezes, literalmente. Assim, em 2015, o conhecido escritor e cientista político Oles Buzina foi morto, e seus assassinos foram rapidamente encontrados, mas pertenciam aos movimentos nacionalistas e, portanto, não foram punidos. E há muitos desses fatos.

Por exemplo, canais de TV em Kiev não foram apenas fechados, mas também dispararam contra os prédios em que estavam localizados. Assim, em julho de 2019, o escritório do canal de TV da oposição “112”  foi atingido por lançamentos de granadas. E, em 2021, o presidente Zelensky frequentemente ordenou a interrupção da transmissão da maioria dos canais de TV que de alguma forma expressavam uma opinião diferente da posição do poder oficial.

Na Ucrânia pós-Maidan, bastava colocar em alguém o rótulo de “agente do Kremlin” e a pessoa caia no radar da repressão. Aliás, isso podia ser repressão por parte de estruturas oficiais, do próprio SBU, ou simplesmente ataques de estruturas nacionalistas.

O objetivo final de tais ações era suprimir qualquer dissidência e fechar os canais de informações alternativas, bem como o desejo de semear o medo na mente das pessoas. As autoridades de Kiev estavam bem cientes de que todas as suas atividades desde o Maidan eram criminosas e, portanto, era necessário de forma rápida e eficiente intimidar a população, privá-la da vontade de resistir.

HP- Qual a relação entre o golpe de 2014 e a guerra no Donbass? Qual foi a origem do conflito? Quais as razões da fundação das Repúblicas de Donetsk e Lugansk: separatismo ou resistência ao golpe fascista?

VP- A conexão é a mais direta. As consignas do Maidan eram francamente russofóbicas. Além disso, a Ucrânia nunca foi homogênea – e a parte ocidental do país se opôs constantemente ao leste e ao sul, onde a maioria dos residentes era do povo russo por nacionalidade, cultura e idioma.

Portanto, para o Maidan vitorioso, todos os partidários da Rússia eram inimigos. Os primeiros decretos do novo governo foram direcionados a romper todos os laços com a Rússia, limitando a língua russa, que, aliás, era falada em 2014 por mais da metade da população do país.

Bem, depois que a população das regiões leste e sul se manifestou fortemente contra essa política, Kiev resolveu suprimir a resistência por métodos de força mais severos.

Assim, já em abril de 2014, manifestações, atos pró-Rússia em Kharkov foram suprimidos. E em 2 de maio, uma terrível tragédia aconteceu em Odessa. Na época, milicianos de Kiev, trazidos especialmente para a cidade, queimaram vivas dezenas de pessoas que simpatizavam com a Rússia.

Deixe-me lembrar que, apesar de terem se passado 8 anos, ninguém foi responsabilizado, embora investigadores independentes tenham identificado a maioria dos autores desse massacre. É claro que os habitantes do leste da Ucrânia não queriam ser liderados pelo poder de Kiev, pelas suas visões abertamente nacionalistas e até fascistas. Portanto, de abril a início de maio de 2014, se desenvolveu a resistência no território das regiões de Donetsk e Lugansk, a princípio pacificamente, quando pessoas comuns pararam os tanques do regime de Kiev com as próprias mãos vazias, e depois se armaram.

HP- O que foi Operação Anti-Terrorista (ATO)? Existem registros de crimes de guerras realizados nos últimos oito anos?

VP- A chamada ATO foi anunciada em 13 de abril de 2014 pelo presidente interino da Ucrânia, Oleksandr Turchynov. A razão oficial para isso foi a informação de que em Donetsk e Lugansk, centros regionais no leste do país, a população local tinha tomado os prédios da SBU, espaços administrativos e policiais.

No entanto, quero lembrar que em janeiro de 2014, quando o Maidan ainda não havia vencido em Kiev, uma onda de ocupações de administrações regionais, de departamentos do SBU e do Ministério da Administração Interna e unidades militares se espalhou pelo oeste da Ucrânia. Armas apreendidas lá foram imediatamente para Kiev e foram usadas por manifestantes contra as forças policiais. Além disso, as ocupações de prédios no oeste da Ucrânia causaram baixas tanto entre as estruturas governamentais quanto entre os manifestantes.

Em Donetsk e Luhansk, tudo transcorreu sem vítimas, e até sem nenhum conflito.

Porém, Kiev precisava de um pretexto para iniciar, digamos claramente, uma “operação punitiva”. Era necessário suprimir rápida e efetivamente os ânimos de protesto nas regiões orientais. E, por isso, desde o início da ATO, em violação de todas as leis da Ucrânia em vigor na época, a nova liderança em Kiev envolveu as Forças Armadas nesta operação.

E o uso do Exército trouxe imediatamente a operação da categoria de antiterrorista para a categoria de militar. Além disso, naquela época (maio-início de junho de 2014), as forças de segurança ucranianas foram combatidas por unidades de ativistas montadas por moradores locais e armadas exclusivamente com armas leves. Kiev jogou tanques, artilharia e aeronaves contra eles.

Já em maio, as forças de segurança ucranianas começaram a bombardear intensamente locais de moradia e infraestrutura civil e, em 2 de junho, o primeiro ataque aéreo foi realizado na pacífica cidade de Lugansk. Um avião de ataque ucraniano SU-25 disparou mísseis contra o prédio da administração regional e a praça adjacente, onde não havia instalações militares. Dezenas de civis foram mortos e feridos no ataque.

Em geral, ao longo dos 8 anos da ATO, centenas, senão milhares, de crimes de guerra cometidos pelas forças de segurança ucranianas contra civis foram oficialmente documentados, incluindo bombardeios de cidades civis com sistemas de foguetes, aeronaves, artilharia, bloqueio cidades com desastres humanitários subsequentes, tortura, execuções extrajudiciais, prisão ilegal e muito mais.

HP- O que foram os Acordos de Minsk e por que não foram capazes de acabar com a guerra? Quais forças internas impediram sua aplicação?

VP- Após uma série de derrotas militares importantes, as autoridades de Kiev, primeiro em setembro de 2014 e depois em fevereiro de 2015, assinaram os chamados acordos de Minsk.

Eles previam um cessar-fogo e uma série de reformas políticas, incluindo a concessão de ampla autonomia às Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. Antes de tudo, em matéria de escolha da língua, vínculos econômicos e políticos com a Rússia, a independência das suas forças policiais e judiciárias.

No entanto, na realidade, o regime de Kiev simplesmente usou esses acordos para respirar e preparar uma nova ofensiva. Tenho vários documentos à minha disposição que indicam que Kiev não pretendia cumprir esses acordos. Embora de tempos em tempos eles encenavam  prontidão para implementar os acordos alcançados. Kiev, porém, aproveitou esse tempo para preparar suas forças de segurança para desencadear uma guerra de informação e sabotagem terrorista contra as repúblicas de Donbass.

HP- O surgimento de muitos “batalhões voluntários” coincide com o golpe de 2014. Qual a relação entre esses fatos? Qual a importância do golpe para o crescimento de grupos violentos e neonazistas na Ucrânia?

VP- Os nacionalistas foram a principal força de ataque do golpe em fevereiro de 2014, quando foi derrubado o legalmente eleito presidente Viktor Yanukovich. Os primeiros batalhões voluntários foram formados justamente pelos milicianos do Maidan, que durante os invernos de 2013-2014 confrontaram as forças da lei e da ordem. Esses milicianos desde o início tinham visões abertamente russofóbicas, e alguns eram adeptos do nacionalismo e até mesmo de movimentos nazistas.

Portanto, quando Kiev anunciou o início da chamada Operação Antiterrorista no leste do país, onde viviam pessoas de visões abertamente pró-russas, jogou nesses “batalhões voluntários” uma corrente de nacionalistas. Além disso, muitas pessoas com um passado abertamente criminoso se somaram a essas unidades, colocando como seus objetivos o enriquecimento pessoal por meio de roubos e saques.

Na publicação oficial de Zelensky aparece soldado com símbolo das SS Totenkopf no peito. À direita, cópia do emblema nazi ampliado (Arquivo)

Naturalmente, quando os ativistas desses batalhões começaram a ser usados ativamente na ATO, suas ideias começaram a penetrar ativamente nas massas. E depois que eles foram integrados em várias estruturas de poder da Ucrânia, as ideias nacionalistas começaram a se espalhar entre militares, policiais e serviços especiais. Por exemplo, se em maio de 2014 uma tatuagem com uma suástica ou a divisa de uma divisão SS causaria rejeição total entre militares comuns das Forças Armadas da Ucrânia, então, já em 2019, a presença de uma insígnia da divisão SS “Totenkopf” no colete de uma brigada aerotransportada de elite não causou protestos ou escândalos.

HP- Em seus artigos você conta que esses batalhões atuaram de formas distintas nos últimos oito anos. Alguns atuaram com mais força no front da guerra no Donbass, enquanto outros agiam na repressão em cidades controladas por Kiev. Nos fale mais sobre a diferença entre os grupos…

VP- Convencionalmente, tais unidades podem ser divididas em vários grupos. As primeiras e mais numerosas são as unidades voluntárias sob os departamentos de polícia regionais. Em 2014, sob os auspícios do ministro da Administração Interna, Arsen Avakov, essas unidades foram criadas em larga escala. E algumas dessas divisões especiais não haviam seleções: levavam pessoas com antecedentes criminais, com doenças crônicas, viciados em drogas, etc. A preferência foi dada aos nacionalistas, combatentes dos “grupos de assalto” do Maidan.

No total, mais de 30 dessas unidades foram criadas na Ucrânia, várias em algumas regiões.

Zelensky entrega galardão de “herói da Ucrânia” a um nazista do Setor Direita (Arquivo)

Essas divisões, após o fim das operações militares ativas no Donbass em 2015, se juntaram às fileiras da polícia de seus centros regionais como unidades do serviço de patrulha de importância especial. As autoridades de Kiev as usaram e continuam a usá-las como um argumento forte dentro do país, por exemplo, para perseguir clérigos e paroquianos da Igreja do Patriarcado de Moscou ou realizar apreensões de propriedades.

Outro grupo de divisões são aquelas que foram criadas sob os auspícios da Guarda Nacional. Havia várias delas no total, e elas continuam a fazer parte da Guarda Nacional da Ucrânia (NGU) como unidades militares independentes. Você pode julgar o nível de ideias nacionalistas e neonazistas nessas unidades pelo fato de que o Batalhão Azov, francamente nazista, é uma dessas formações. Embora oficialmente ele seja chamado de “destacamento independente de Forças Especiais da XII Brigada da Guarda Nacional”.

E o terceiro grupo de divisões voluntárias é o daquelas que foram criadas na estrutura do Ministério da Defesa. Na maioria das vezes, isso é um análogo das atuais unidades de defesa territorial, mas entre elas estavam aquelas que se mancharam com o sangue de pacíficos civis, por exemplo, o batalhão “Aidar”.

Além disso, não se deve esquecer que até agora na Ucrânia há uma série de unidades que não foram incluídas em nenhuma estrutura oficial, mas lutaram durante esses 8 anos e estão lutando agora, representando formações paramilitares ilegais. Estes são “Setor Direita” (Privyy Sector), “Exército Voluntário Ucraniano” (OUN).

Essas unidades contam com uma extensa rede de apoiadores em toda a Ucrânia, seus próprios campos de treinamento, uma reserva mobilizada e bons equipamentos.

HP- Qual o nível de contato ou de proximidade do governo de Kiev com os “batalhões voluntários”? Por que alguns deles foram incorporados à Guarda Nacional? A atuação desses grupos mudou depois disso?

VP- As autoridades de Kiev supervisionaram diretamente essas unidades. Afinal, todas estavam integradas às estruturas de poder do país. Muitos dos líderes desses batalhões no outono de 2014 se tornaram deputados do povo, compondo o parlamento do país. Ao mesmo tempo, a liderança da Ucrânia decidiu acabar com a independência de tais unidades, legalizando-as e entregando total apoio do governo.

HP- Esses grupos são fascistas ou nazistas? Quais são as principais características ideológicas dos batalhões (racismo, russofobia, etc.)? Até que ponto esse tipo de ideologia está espalhada na sociedade ucraniana?

VP- Entre eles há defensores de visões abertamente nazistas. Além disso, algumas dessas unidades, como o “Azov” ou o “Setor Direita”, tornaram-se uma espécie de campo de testes para receber treinamento militar ou experiência de combate para indivíduos com opiniões nazistas de todo o mundo. Eu fiz algumas pesquisas e estabeleci que existe toda uma rede de organizações neonazistas, uma espécie de Internacional Nazista, cujos apoiadores participaram ativamente das hostilidades no território da Ucrânia dentro dessas divisões.

De muitas maneiras, foram essas unidades que se tornaram a fonte da disseminação das visões nazistas e fascistas na sociedade ucraniana. E agora, infelizmente, na Ucrânia, que sofreu muito com o fascismo durante a Segunda Guerra Mundial, tornou-se norma tatuar suásticas ou passear pela cidade com símbolos da SS.

Abaixo, vídeos das Agências Sputnik e RT com relatos de moradores da região do Donbass sobre atrocidades cometidas contra civis pelos neonazistas do Batalhão Azov:

Vídeo da Sputnik mostra com maiores detalhes as tropas do batalhão Azov, que se renderam em Mariupol, exibindo suas tatuagens de Hitler, suásticas e frases como “Matar todos, pegar tudo”:

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