domingo, 2 de outubro de 2022

As razões por trás dos pedidos de Zelensky à OTAN


As razões por trás dos pedidos de Zelensky à OTAN

O fato de a OTAN fornecer apoio militar à Ucrânia, mas não se envolver totalmente no conflito contra a Rússia, pode ser entendido como uma espécie de “dupla face”: por um lado, não é do seu interesse aprofundar as tensões porque tudo estaria em jogo, o sistema de segurança internacional e colidiria diretamente com a Rússia. Por outro lado, também não pode se dissociar completamente do conflito, porque isso levaria a organização a perder a legitimidade como braço armado do Ocidente.

Damasco, 2 de outubro (SANA) O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, tem insistido em seus desejos de que a Ucrânia se junte ao braço armado do Ocidente: a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). No entanto, países como Estados Unidos e Alemanha consideram que não seria o mais pertinente.

A eventual adesão da Ucrânia à aliança atlântica mudaria o mapa geopolítico mundial e as tensões na Europa Oriental poderiam se transformar em um conflito nuclear de grande escala, colocando em risco a população europeia e até global.

Esses são os principais riscos observados por especialistas consultados pelo Sputnik. No entanto, eles também observam que, por trás dos pedidos de Zelensky à OTAN, estão escondidas duas intenções políticas muito claras por parte do presidente ucraniano: legitimar sua imagem deteriorada e exacerbar sentimentos nacionalistas em um momento em que os territórios de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporozhye já fazem parte da Federação Russa, de acordo com os resultados dos referendos realizados na semana passada.

"O pedido da Ucrânia de entrada rápida na OTAN pode ser interpretado como uma resposta nacionalista que busca manter a legitimidade, bastante diminuída, de um presidente como Zelensky, que, recordemos, chegou à Presidência da Ucrânia com um discurso nacionalista e após ato em uma série de televisão, na qual ele apareceu como um professor de história que se torna presidente em defesa de sua própria origem. Zelenski busca manter essa posição nacionalista diante de um conflito em que não está conseguindo consolidar territorialmente seu país”, observa em entrevista ao Sputnik Irwing Rico, internacionalista da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e especialista em Segurança e Militarização no Sistema Global.

Tampouco se pode ignorar que a imagem do presidente da Ucrânia foi severamente prejudicada em nível internacional por atitudes que foram rotuladas como “frívolas”. Um exemplo disso, diz o especialista, foi quando Zelensky e sua esposa decidiram posar para a revista Vogue, em um conjunto de tanques e espólios de guerra, como se fosse um filme de Hollywood e não um conflito real.

"E não só isso. Alguns de seus discursos parecem muito tablóides ou sensacionalistas em relação ao conflito em curso [entre Rússia e Ucrânia]”, assegura o analista geopolítico.

Ucrânia na OTAN: realidade ou utopia?

Os líderes da OTAN vêm dizendo há sete meses que estão do lado de Kyiv e que manterão seu apoio militar e econômico ao exército ucraniano. No entanto, a aliança não se envolveu diretamente no conflito porque isso representaria um confronto direto com a Rússia, algo que não é considerado muito prudente pelos altos círculos de poder nos Estados Unidos ou na Alemanha, por exemplo.

O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse em 30 de setembro que a oferta da Ucrânia à OTAN deveria ser considerada mais tarde: em outro momento”.

O governo de Zelensky, no entanto, precisa urgentemente que seu país se junte à aliança militar ocidental para ter uma posição melhor contra Moscou. Os estatutos da OTAN —especificamente o artigo quinto— indicam que, se um estado membro for atacado, essa agressão será interpretada como um ataque a todo o bloco e não apenas a uma nação.

“Zelenski está confiante de que os 30 membros da OTAN aceitarão sua entrada, e isso implicaria no enorme apoio militar que [o Ocidente] pode dar à Ucrânia para reverter esse conflito. Pensemos que Zelensky toma suas decisões sabendo que está enfrentando um gigante e uma superpotência em muitos aspectos, não apenas nuclear”, diz Sandra Kanety, acadêmica do Centro de Relações Internacionais da UNAM e idealizadora do projeto de pesquisa, em entrevista. com o Sputnik Ressonâncias da militarização na segurança humana no século XXI.

Um dos pontos fortes da Rússia em nível diplomático é que é membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) —junto com China, Estados Unidos, França e Reino Unido— e tem direito de veto. Além disso, diz ele, possui um considerável arsenal militar e nuclear e é uma potência em constante crescimento.

“Embora o secretário da Otan tenha dito que qualquer democracia na Europa tem o direito de pedir para se juntar à organização, há um processo que tem que passar. O pedido deve ser apoiado, em consenso, pelos 30 aliados da OTAN. O secretário diz estar aberto a acrescentar qualquer país europeu que cumpra as normas, mas também mostrou que essa adesão não seria tão simples. Finalmente, ele não se comprometeu com uma resposta imediata. Isso revela que também pode não ser tão conveniente para a OTAN se juntar à Ucrânia”, comenta Kanety, que deu palestras sobre segurança e relações internacionais na Espanha, Cuba, Brasil e Romênia.

Por que a OTAN se beneficia do conflito na Ucrânia?

A aliança atlântica foi criada em 1949, em tempos de Guerra Fria, para frear o suposto expansionismo da antiga União Soviética e suas ideias comunistas. Desde então, tornou-se a principal organização militar dos países ocidentais, sendo liderada principalmente pelos Estados Unidos e Reino Unido.

Uma das alegações da Rússia é que a OTAN é uma organização ultrapassada, já que o bloco soviético não existe mais e o comunismo é um sistema de produção praticamente inexistente. Para o Kremlin, a OTAN embarcou, desde a década de 1990, em um processo expansionista que busca desestabilizar e cercar as fronteiras russas. No entanto, a comunidade internacional, em fóruns como a ONU, tem dado pouca atenção a esse tipo de reivindicação.

O fato de a OTAN fornecer apoio militar à Ucrânia, mas não se envolver totalmente no conflito contra a Rússia, pode ser entendido como uma espécie de “dupla face”: por um lado, não é do seu interesse aprofundar as tensões porque tudo estaria em jogo, o sistema de segurança internacional e colidiria diretamente com a Rússia. Por outro lado, também não pode se dissociar completamente do conflito, porque isso levaria a organização a perder a legitimidade como braço armado do Ocidente.

“É por isso que a OTAN deve jogar discursivamente: eu apoio a Ucrânia, mas não entro em confronto direto. Na verdade, a OTAN nunca considerou um confronto direto com a Rússia, nem mesmo no século 20 durante a Guerra Fria. Além disso, hoje a OTAN tem muito menos capacidade de guerra e armas do que antes.
Também tem menos legitimidade social e política. Seu discurso de dupla face é um discurso que ele deve promover para que a própria existência da OTAN permaneça válida”, analisa Irwing Rico.

Do ponto de vista de Kanety, é do interesse da Aliança Atlântica adicionar a Ucrânia à sua organização, mas não neste momento. Ele ainda lembra que aderiram Estados que, na época, faziam parte da União Soviética.

“Um dos pilares do sistema capitalista é a militarização. Sem militarização, o sistema capitalista não poderia funcionar. Isso explica por que a OTAN faz parte de todo um aparato de militarização global que é grandemente beneficiado. Ela é uma sobrevivente da Guerra Fria. Adicionar combustível ao fogo na Ucrânia é altamente lucrativo para os estados membros e também para as empresas que fabricam armas e equipamentos militares.
Entre as 10 empresas poderosas mais importantes na produção de armas, há pelo menos seis americanos e outros europeus que têm laços e negócios muito importantes com os governos dos Estados Unidos, Reino Unido e França”, conclui Kanety, que também é autor da pesquisa Análise da sociedade internacional: rumo à ordem mundial do século XXI.

Fonte: Sputnik

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