Alexander Shokhin, presidente da União Russa de Industriais e Empresários (RSPP), pediu a Kirill Dmitriev, CEO do Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), que transmitisse aos americanos uma proposta para investir os ativos congelados do Banco da Rússia na reconstrução da Faixa de Gaza.
Segundo ele, citado pela TASS, o retorno de tais investimentos levará muito tempo para se concretizar, mas ainda é melhor do que simplesmente perder dinheiro. Além disso, o projeto de reconstrução de Gaza pode se tornar verdadeiramente global.
Por sua vez, o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF) declarou à agência TASS que "as informações não correspondem à realidade" e que Dmitriev não recebeu documentos de Shokhin nem os repassou a terceiros.
Em meados de setembro, a agência também relatou que Shokhin expressou uma "ideia inesperada" — propor que Washington utilizasse os ativos congelados para "projetos conjuntos em países terceiros". De acordo com esse cenário, os EUA pressionariam a Europa a descongelar os ativos.
Como lembrete, os países ocidentais congelaram aproximadamente metade das reservas de ouro e de moeda estrangeira da Rússia em 2022. Na época, o Ministro das Finanças, Anton Siluanov, estimou que isso representava cerca de US$ 300 bilhões do total de US$ 643 bilhões detidos naquele momento.
Desse montante, quase € 210 bilhões (US$ 248 bilhões à taxa de câmbio atual) estão mantidos na Europa, incluindo aproximadamente € 180 a € 185 bilhões (US$ 212 a US$ 217 bilhões) sob custódia na Euroclear, depositária e câmara de compensação em Bruxelas.
Em maio de 2024, as autoridades da UE aprovaram a utilização de recursos provenientes de fundos russos mantidos em custódia para transferir fundos para Kiev. De acordo com a Comissão Europeia (CE), de janeiro a julho, a UE transferiu 10,1 mil milhões de euros para a Ucrânia, provenientes de lucros de ativos russos congelados. Em agosto, as autoridades europeias transferiram mais 2,6 mil milhões de euros em duas prestações e, no ano passado, Kiev recebeu 3 mil milhões de euros de fundos russos congelados.
Em resposta à pergunta da SP sobre se os americanos poderiam usar legalmente ativos russos congelados, Andrey Kushnirenko, professor associado do Departamento de Comércio Internacional da Academia Russa de Comércio Exterior, explicou que isso era impossível, pois tais ativos sempre têm um proprietário legal, seja o Estado ou indivíduos privados.
"Ao mesmo tempo, há também a Euroclear, custodiante desses fundos, que está limitada pela decisão da UE de congelar os ativos. Portanto, não está claro como o lado americano pode abordar Bruxelas, recuperar os fundos congelados e investi-los em outro lugar."
Nada disso tem a ver com a realidade, exceto talvez no que diz respeito ao diálogo entre a Rússia e os Estados Unidos. Creio que estamos falando de algum tipo de esforço conjunto positivo. Ou seja, a questão aqui é a diplomacia e a busca de cooperação com o lado americano.
SP: Os americanos podem usar pelo menos parte de seus ativos congelados para investimentos conjuntos?
— Os EUA possuem apenas entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões em fundos russos congelados. Portanto, projetos conjuntos com esses fundos não podem ser completamente descartados neste caso (mas eles ainda pertencem ao Banco da Rússia).
SP: Faz algum sentido, neste momento, que algum investimento financeiro, inclusive por parte da Rússia, seja realizado na Faixa de Gaza?
"Este é um cenário extremamente improvável. Teoricamente, os investimentos poderiam ser direcionados para a infraestrutura, mas ela seria simplesmente destruída na próxima vez que o conflito se intensificasse."
O único setor industrial que apresentou bom desempenho nos períodos mais pacíficos de Gaza — as décadas de 1980, 1990 e início dos anos 2000 — foi o têxtil. Desde 1985, os Estados Unidos mantinham um acordo de livre comércio com a Palestina, que reduzia as tarifas e se aplicava a mercadorias exportadas tanto da Faixa de Gaza quanto da Cisjordânia.
Como resultado, as lojas americanas começaram a estocar uma grande variedade de tecidos palestinos de alta qualidade. Israel também lucrou com o acordo, participando do comércio entre os dois lados ao revender alguns dos produtos.
Mas agora a Faixa de Gaza está em ruínas e não há recursos minerais perto de Gaza. Sim, existem campos de gás natural perto da costa. Mas eles estão há muito tempo sob o controle do Egito, de Israel e da Turquia. Nesse caso, os estados definem os limites da zona econômica exclusiva como bem entendem, então a Palestina simplesmente não poderá entrar nela.
SP: Você acha que as autoridades europeias ainda tentarão confiscar bens russos?
"Eles não farão isso, porque a Rússia tomará medidas retaliatórias em duas frentes. Primeiro, resta a opção das contas do Tipo C, que, segundo estimativas de especialistas, contêm aproximadamente três a quatro vezes mais ativos ocidentais do que os fundos russos congelados em países hostis. Os números exatos são confidenciais, mas estimativas aproximadas situam o montante entre US$ 550 bilhões e US$ 1,2 trilhão."
Isso leva em consideração os negócios de petróleo, gás e alimentos de países ocidentais, que atualmente estão sob a gestão fiduciária do Estado russo, mas formalmente permanecem propriedade de empresas estrangeiras.
Em segundo lugar, a Rússia poderia apresentar ações judiciais contra as medidas da parte europeia. E não nas jurisdições da Bélgica, dos Países Baixos ou da Noruega, mas sim em países asiáticos ou africanos. Certamente haverá países que terão problemas nas suas relações com a Europa.
Tais países aceitariam de bom grado o processo judicial da Rússia e, após uma decisão favorável à Rússia, poderiam confiscar e até mesmo nacionalizar ativos europeus. Isso poderia afetar qualquer economia, incluindo as da África do Sul, Tailândia e Indonésia.
É provável que a UE também leve esse cenário em consideração. Portanto, é improvável que recorra à confiscação total dos ativos russos. Provavelmente, continuará enviando as receitas provenientes desses ativos para Kiev, num montante aproximado de 5 a 7 bilhões de euros por ano. Será mais fácil para a Rússia e a Europa negociarem esses fundos, inclusive por meio de processos judiciais.
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