sábado, 13 de dezembro de 2025

ATIVOS RUSSOS – UNIÃO EUROPEIA AGRAVA AS SUAS RESPONSABILIDADES

 


A União Europeia decidiu, com ar solene e vocabulário cuidadosamente escolhido, imobilizar indefinidamente os ativos soberanos russos. Não os confisca, porque isso daria trabalho jurídico. Não os devolve, porque isso pareceria fraqueza política. Guarda-os. Indefinidamente. Como quem deixa uma mala no meio da sala e diz que é provisório, mas muda a fechadura da casa.
A jogada é apresentada como firmeza estratégica. Na realidade, é a institucionalização da indecisão. A UE transforma um congelamento excecional, justificado por um contexto de guerra, numa suspensão permanente das regras que sempre disse defender. E fá-lo com a confiança típica de quem acredita que o futuro tratará dos detalhes incómodos, como o direito internacional, a imunidade soberana ou as custas judiciais.
O raciocínio oficial é simples: os ativos só serão libertados quando Moscovo pagar reparações à Ucrânia. O problema é que ninguém explicou à União Europeia que, no direito internacional, reparações não se decretam por comunicado de imprensa nem por consenso político interno. Exigem decisões judiciais, tratados ou resoluções internacionais vinculativas. Mas isso são minudências técnicas, claramente incompatíveis com a urgência moral do momento.
Assim, a UE inventa uma nova categoria jurídica: o ativo soberano em estado de espera moral. Não é confiscado, porque isso seria ilegal. Não é devolvido, porque isso seria inconveniente. Fica suspenso num limbo elegante, onde a legalidade é substituída por intenção política e a previsibilidade por esperança.
O mais interessante é o efeito colateral desta virtude autoproclamada. Ao reter indefinidamente ativos de um Estado soberano, a UE envia uma mensagem cristalina ao resto do mundo: o dinheiro é bem-vindo na banca europeia, desde que o depositante pense corretamente. A neutralidade financeira, outrora pilar do sistema, passa a ser condicional. Um detalhe que bancos centrais de países não alinhados certamente apreciarão… à distância.
Não admira, por isso, que o ouro esteja a regressar a cofres nacionais, que as reservas em euros comecem a parecer menos seguras e que sistemas financeiros alternativos ganhem tração. A UE, preocupada em punir a Rússia, acaba a educar o mundo sobre os riscos de confiar demasiado nela. Uma pedagogia involuntária, mas eficaz.
Entretanto, Moscovo observa. Não precisa de agir com pressa. O tempo, neste caso, é um aliado. Pode recorrer a tribunais, arrastar processos, acumular juros e, quando o clima político mudar, apresentar a fatura. Pode também reter ativos ocidentais no seu território e chamar-lhe compensação. Tudo com base num argumento simples: se a lei foi suspensa para um, pode ser reinterpretada para outro.
A ironia maior é que a UE não ganha verdadeiramente nenhuma vantagem estratégica com esta decisão. Não aproxima a paz, não acelera reparações, não resolve o conflito. Limita-se a adiar o momento em que terá de escolher entre devolver os ativos ou assumir um confisco formal com todas as consequências que isso implica. Até lá, acumula responsabilidades jurídicas, financeiras e reputacionais.
A União Europeia, que gosta de se apresentar como potência normativa, construiu a sua influência precisamente sobre a previsibilidade das regras e o respeito pelo direito. Ao abdicar disso em nome de uma firmeza performativa, fragiliza o que a distingue. Troca autoridade jurídica por satisfação política momentânea.
No fim, os ativos russos continuam congelados, a guerra continua, e a UE continua sentada sobre um problema que cresce em silêncio. Não é uma demonstração de força. É a arte de complicar o futuro enquanto se finge resolver o presente.

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