quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

– Um Ocidente coletivo “liderado” por mediocridades indescritíveis encara a parceria estratégica Rússia-China como um Anti-Cristo de duas cabeças. Xi, pela sua parte, parece não ficar impressionado. Pepe Escobar [*]

 Postado em 20/01/2022 12:21

O Sr. Xi atua como Homem de Davos

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– Um Ocidente coletivo “liderado” por mediocridades indescritíveis encara a parceria estratégica Rússia-China como um Anti-Cristo de duas cabeças.   Xi, pela sua parte, parece não ficar impressionado.

Pepe Escobar [*]

discurso especial do Presidente Xi Jinping no Fórum Económico Mundial de Davos de 2022, efetuado online, apresenta todos os elementos de um mistério dentro de um enigma.

A princípio, poderia certamente ser interpretado como uma mensagem simultânea para o Império do Caos e a opinião pública mundial.

Muito mais do que prescrever “doses eficazes contra o unilateralismo, a dissociação e o antagonismo ideológico” – alusões não tão subtis aos suspeitos habituais – Xi acima de tudo posicionou a China como o motor indispensável da Globalização 2.0.

O discurso foi simultâneo ao anúncio do crescimento do PIB da China em 8,1% em 2021 e do comércio de commodities a atingir novos máximos:   o centro manufatureiro global é o maior exportador do mundo pelo 8º ano consecutivo.

A implementação da maior zona de comércio livre do mundo, a Parceria Económica Global Regional (Regional Comprehensive Economic Partnership, RCEP) por toda a Ásia-Pacífico, irá apenas consolidar esta tendência.

O comércio com as inúmeras nações parceiras da Estrada da Seda (Belt and Road Initiative, BRI) aumentou em 23,6% – e isso significa essencialmente um aumento do comércio global do Sul. O investimento direto estrangeiro (IDE) na China aumentou 20,2% em termos de dólares:   mais uma vez, tal como em 2020, a China foi o principal destino do IDE no planeta.

Todo o panorama do comércio deveria mesmo melhorar em 2022, quando o Acordo Amplo de Investimento (Comprehensive Agreement on Investment, CAI) China-UE for plenamente ratificado. A França, atualmente a presidir ao Conselho da UE, é manifestamente favorável.

Combinando as tendências, o PIB per capita da China atingiu US$12.551, crucialmente acima da famosa “armadilha do rendimento médio”; acima da média global do PIB per capita; e entrando agora no território dos “países de alto rendimento”, tal como definido pelo Banco Mundial.

A mensagem chave de Xi, ao dirigir-se ao “Homem de Davos” – o público característico do World Economic Forum – foi inequívoca:   A China é e continuará a ser o mais seguro dos paraísos para o capital global. Os Mestres do Universo – da BlackRock para baixo – acenaram devidamente a sua aprovação.

Mas há “contra-correntes”. E aquela ameaçadora e iminente crise económica global.

Leva-me até ao rio

Agora entramos no enigma mais profundo de como a visão de Xi interpenetrada com a agenda de Davos poderá, ou não, vir a ser.

O tema principal de Xi é o multilateralismo. E foi nesse contexto que ele introduziu a sua rica metáfora das “contra-correntes”. Xi de facto arrumou o Ocidente coletivo como “contra-correntes” no rio da História – incapazes de travar o seu fluxo inexorável para o mar.

No entanto, estas “contra-correntes”, como Xi as define, não estão apenas a tentar travar o fluxo da globalização económica. Ele deixa subtilmente implícito que elas estão a tentar travar o fluxo da Globalização 2.0 liderado pela China:  uma economia muito forte a trabalhar em conjunto com uma política bem sucedida “Covid zero”.

Ele nem sequer teve de se referir ao Ocidente. Apenas precisou sugerir que a China forjou o seu próprio caminho para enfrentar os atuais desafios. E o caminho chinês bate o do Ocidente.

A economia global está a ser confrontada, de um modo geral, pela escassez de mão-de-obra – desde os trabalhadores das colheitas a camionistas, passando pelos caixas dos supermercados. Os custos de tudo, desde as matérias-primas até ao transporte de contentores, atravessaram o teto. As cadeias de abastecimento estão terrivelmente sobrecarregadas e, em muitos casos, rompidas.

A narrativa hegemónica culpa exclusivamente as variantes proverbiais do Covid-19 pela possibilidade muito real de provocar a mãe de todas as rupturas de cadeias de abastecimento, que podem atingir a maior parte do planeta em 2022.

Em contraste, variantes da análise de guerrilha sustentam que a economia global está a ser deliberadamente conduzida à beira do abismo. A ruptura da cadeia de abastecimento está a ser facilitada pelas múltiplas restrições da “guerra contra Covid” – as quais subvertem diretamente a produção, o comércio e os serviços.

O Capital Global nunca permitiria um debate público abrangente sobre o papel tóxico do sistema financeiro – o qual tem sido mantido sob respiração artificial desde 2008, com bancos centrais a desencadear tempestades de dinheiro de helicóptero, inflacionando mercados imobiliários, ações, preços de metais preciosos. Na vida real, o que é quase inevitável no horizonte é o rebentar de uma enorme bolha imobiliária e de ações por todo o Ocidente.

Um colapso de facto da economia global proporcionaria a derradeira “oportunidade” (terminologia de Klaus Schwab) para a Grande Reinicialização (Great Reset) do WEF – a qual continua a ser a verdadeira Agenda de Davos. Mas de acordo com o evangelho hegemónico, isso aconteceria por causa da Covid – não por causa da implosão do casino financeiro.

Há quase dois anos que vivemos a consagração progressiva do tecno-feudalismo – um dos temas dominantes do meu último livro, Raging Twenties.

À velocidade da luz, o vírus do tecno-feudalismo metastaseou-se numa variante ainda mais letal, numa selva de espelhos, com a cultura da ocultação imposta pela Big Tech em todo o espectro e com a ciência rotineiramente rebaixada como fake news por todos os media sociais.

O cidadão médio permanece desconcertado até ao ponto da lobotomia. Giorgio Agamben definiu todo o processo como um novo totalitarismo.

O que é que o Capital quer realmente?

Está aberto ao debate em que medida Xi endossa realmente a derradeira “oportunidade” oferecida pela Covid-19:   uma Grande Reinicialização que se refere essencialmente à substituição de uma base manufatureira em declínio pela automação, em conjunto com uma reinicialização do sistema financeiro.

O concomitante pensamento cheio de desejo ansioso encara uma economia global que “se aproximará de um modelo capitalista mais limpo”, como encarnado, por exemplo, no deliciosamente benigno Conselho para o Capitalismo Inclusivo em parceria com a Igreja Católica.

Coube a William Engdahl fazer a pergunta crucial:   Será que o Federal Reserve irá provocar o colapso (crash) dos mercados financeiros globais como um meio de implementar a sua “Grande Reinicialização”?

A utilização de Davos por Xi, como uma conveniente plataforma de RP, não significa necessariamente que a China subscreva a Agenda de Davos. Afinal, Davos nada tem a ver com o multilateralismo.

Em dezembro passado, o WEF adiou Davos 2022 de Janeiro para o início do Verão. Está para ser visto se isto pode ter algo a ver com o advento do Cyber Polygon, uma pandemia cibernética provocada pelo WEF em Julho de 2021.

O próprio Herr Schwab definiu-a como “um ataque cibernético abrangente [que] poderia provocar uma paragem completa no fornecimento de energia, transportes, serviços hospitalares, da nossa sociedade como um todo”. A crise da Covid-19 seria encarada então como uma pequena perturbação em comparação com um grande ciberataque”.

Assim, a nossa situação atual – global – pode ser apenas uma “pequena perturbação” quando comparada com o que vem a seguir. E já foi tramada.

Ninguém, desde Zeus até Shiva, sabe o que vem a seguir – para além da NATO se expandir para o espaço exterior. Contudo, é muito revelador que a distinta possibilidade de um colapso (crash) económico global – enquanto Xi promove a Globalização 2.0 liderada pela China – esteja a acontecer em simultâneo com a NATO a provocar a Rússia para a guerra e os EUA a demonizarem a China como o Venha o teu Reino.

Um Ocidente coletivo “liderado” por mediocridades indescritíveis encara a parceria estratégica Rússia-China como se fosse algo como um Anti-Cristo de duas cabeças. Xi, pela sua parte, parece não ficar impressionado: ao ver o rio a fluir, tal como o taoísta Bob Dylan ele descarta estas “contracorrentes” com um simples aceno de mão.

19/Janeiro/2022

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