O recente informe do Departamento de Estado sobre o Terrorismo, correspondente ao ano de 2013, identifica quatro países como santuários ou promotores de terroristas: Cuba, Irã, Síria e Sudão. Salvo o Irã, os outros três promotores têm sido vítimas das agressões da maior potência terrorista mundial, os Estados Unidos, ocasionando, especialmente nos casos da Síria e Sudão, milhares de mortes e destruição em grande escala. Mesmo em Cuba, o número mínimo de vítimas do terrorismo é estimado dois mil, ao qual se acrescentam os enormes prejuízos econômicos causados por sabotagens, atentados e toda a classe de atividades terroristas promovidas pelos Estados Unidos. Paradoxo tragicômico: neste Informe as vítimas se convertem em algozes e estes em campeões dos direitos humanos.
Atilio Borón
A leitura do Informe dá margem para compartilhar algumas considerações: primeiro, a autoridade moral, segundo Noam Chomsky e inúmeros analistas, recai sobre a maior organização terrorista do mundo. É ela que julga se um país é ou não terrorista, se é um protetor ou santuário de terroristas. Este é um tema que foi examinado minuciosamente no livro: O lado escuro do império. A violação dos direitos humanos pelos Estados Unidos, escrito em coautoria com Andrea Vlahusic há poucos anos. Daí, o absurdo da pretensão de Washington em julgar países por seu apego à luta contra o terrorismo. Segundo, quais são os critérios com os quais se decide o que é ou não terrorismo?
O Informe recorda, em sua página 317, que a legislação estadunidense estabelece (na Seção 2656f(d) do Título 22 do Código Penal) que "terrorismo é toda violência premeditada e politicamente motivada perpetrada por grupos subnacionais ou agentes clandestinos contra atores não combatentes". Definição muito conveniente para o império, porque impede que se qualifiquem como atos terroristas as diversas formas de terrorismo de estado praticadas por Washington ao longo do tempo. (Basta lembrar o autoatentado que afundou o encouraçado Maine na baía da Havana, em 1898, para corroborar que a Casa Branca é depositária de uma longa tradição nesta matéria).
Segundo a definição de outrora, o assassinato de civis inocentes com bombas atômicas ou com drones não constitui atos terroristas e, tampouco, o é promover uma sangrenta desestabilização de governos categorizados como inimigos: casos da Líbia, Síria, atualmente Venezuela. Também fica de fora dessa tendenciosa definição a invasão a outros países (Cuba, 1961; Panamá, 1989 apenas para citar alguns exemplos); a invasão e destruição sofrida pelo Iraque e Afeganistão recentemente, ou a colaboração no assassinato de suspeitos guerrilheiros na Colômbia (que demonstrou serem "falsos positivos"). Em suma: terrorista - ou cúmplice de terrorismo - é todo aquele que se oponha às políticas dos Estados Unidos.
No Informe, diz-se que Cuba foi classificada como santuário terrorista ou país promotor do terrorismo, desde o ano de 1982. Ou seja, seis anos antes da criação da Al Qaeda - que ocorreu em 1988 -, o país cubano já era considerado um estado terrorista ou protetor de terroristas. O argumento principal para manter Cuba nessa caluniosa posição no informe atual é que:
"Ao longo de 2013, o governo de Cuba apoiou e foi anfitrião das negociações de paz entre as FARC e o governo da Colômbia. O governo de Cuba facilitou a viagem dos representantes das FARC a Cuba para participar destas negociações coordenadas por representantes dos governos da Colômbia, Venezuela e Noruega, e também a Cruz Vermelha. Não há nenhuma indicação de que o governo cubano tenha fornecido armas ou treinamento paramilitar a grupos terroristas".
Esta ridícula "acusação" contra Cuba permite tirar uma conclusão final que favorece um moderado otimismo: o império está realmente em apuros, com problemas muitos mais graves do que vislumbramos de fora. Por que? Porque quando um documento oficial do Departamento de Estado diz coisas tão estúpidas como as que utilizam para condenar Cuba, é porque existe uma crise não só moral, que já é conhecidíssima, mas também intelectual. Como convencer qualquer pessoa com um mínimo de coeficiente intelectual de que Cuba é um santuário do terrorismo internacional, quando a razão pela qual ela é caracterizada desse modo é... sua colaboração para colocar fim a um dos conflitos armados mais sangrentos e prolongados não só da América Latina, mas do mundo! O que dizer, então, da Colômbia, Venezuela, Noruega e da Cruz Vermelha? São companheiros de um "estado canalha", como é Cuba segundo o Departamento de Estado? Então, por que não os inclui sob a mesma qualificação, especialmente a Noruega e a Cruz Vermelha, cuja "cumplicidade" com o governo cubano salta à vista?
A única coisa que pode ser dita é que tanto os investigadores sobre o "terrorismo" como os redatores do informe e as autoridades políticas, que deram seu aval, são de uma fenomenal incompetência, atestada no momento de elaborar um pretexto minimamente persuasivo das práticas terroristas do império. Claro que isto não tira o sono do governo estadunidense: seu desprezo pela opinião pública doméstica e internacional é tão grande como o uso da "dupla moral": junto com a condenação de Cuba e de outros países, o Informe erige a teocracia governante da Arábia Saudita como um exemplar bastião da luta contra o terrorismo e exalta sua colaboração com Washington neste terreno. Não existe nenhuma palavra no Informe que insinue que foi esse país que recrutou, financiou e organizou a horda de mercenários que assolam a Síria há três anos. Aos fiéis lacaios se perdoa qualquer coisa.
Atilio Borón
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