Por Urszula Borecki
Passei uma semana no Sudeste da Ucrânia, viajando de Odessa a Donetsk, e a primeira ideia que me acode, uma vez retornada a Varsóvia, é a de um murro no estômago. Como sempre acontece quando parto em serviço, programo trabalho, antevejo situações possíveis, planeio os meus itinerários.
Pois nunca me enganei tanto em relação à realidade que imaginava ir encontrar. Não apenas porque sou, como somos todos, uma vítima da informação deturpada. O que vivi e registei está muito para lá disso: é um grito de alarme vindo da Ucrânia profunda e com destino a toda a Europa.
Todos os que somos originários ou vivemos no Leste da Europa, mesmo aqueles que não queiram reconhecê-lo ou admiti-lo, sabemos que depois da queda dos regimes de domínio soviético a selvajaria neoliberal e a hecatombe social que provocou acabaram por parir a retoma dos nacionalismos raivosos e vingativos, sublimados mas não extintos. Vamos registando fenómenos neste e naquele país, como ataques contra minorias, manifestações xenófobas cada vez mais violentas, ajustes de contas com a História, recuperação e mesmo glorificação de criminosos que colaboraram com Hitler, multiplicação de milícias de assalto, restauração do antisemitismo, de uma maneira ou de outra sintomas inquietantes de um mal por curar.
Porém, estava longe de imaginar que o fascismo tivesse já amadurecido da maneira que amadureceu na Ucrânia, a pontos de conseguir tomar as rédeas condutoras do poder. Daí a sensação de murro no estômago, porque nesta conclusão não existe qualquer ponta de exagero. Quanto um dos oposicionistas que encontrei em Odessa me disse, com ênfase, "não somos separatistas, somos antifascistas" fiquei com a a noção de uma realidade que anda escondida porque gente com muita responsabilidade neste mundo tudo faz para escondê-la. O medo, o terror que alastram no Sudeste da Ucrânia não tem nada a ver com falsas ameaças russas mas sim com o conhecimento, por parte de milhões de pessoas, de que é o fascismo, ainda que eleitoralmente minoritário, que manda em Kiev, nas regiões ocidentais, e que pretende fazê-lo em toda a Ucrânia.
Durante esta semana de viagem ficaram muito claras para mim as razões dos resultados no referendo na Crimeia, principalmente o facto de muitos cidadãos ucranianos "puros", que não cabem nas definições de "pró-russos", terem votado pela integração na Rússia. Chamem-lhe voto de auto-defesa, se quiserem.
O actual governo ucraniano, nascido de um golpe de Estado - que não haja dúvidas quanto a isso - não é apenas ilegítimo, é controlado por dirigentes fascistas. Os seus membros podem até dizer que vão tolerar a língua russa e proporcionar igualdade de direitos a todos os ucranianos, mas o dia-a-dia demonstra a falsidade dessas promessas tácticas. O governo de Kiev quer o poder absoluto e pretende silenciar as oposições, mesmo que seja a tiro, sob pretextos vários, alguns deles velhos de um século como o da "ameaça russa". O governo de Kiev actua cada vez mais sob o controlo das áreas militar e de segurança - as que foram tomadas em mão por dirigentes nazis que a si mesmos se definem como herdeiros do criminoso nazi Stepan Bandera.
O que as populações do Sudeste da Ucrânia fazem, sendo acusadas de tudo quanto há de pior desde Kiev a Washington ou Lisboa, é alertar o mundo para o amadurecimento do fascismo na Ucrânia.
O que as chamadas democracias fazem, servindo-se das armas da NATO, é criar condições para que esse amadurecimento se estenda a muito mais países. Parece a história ao contrário; infelizmente é a história real.