Suspeitas
Sócrates compra carro de luxo
Sócrates compra Mercedes de 95 mil euros, mas vai à RTP de Volkswagen alugado. Saiba tudo na edição de hoje doCM.
Por:Paulo Pinto Mascarenhas/Henrique Machado/Ana Luísa Nascimento
Um mês e meio depois de ter saído da liderança do Governo, José Sócrates comprou um Mercedes-Benz classe S 250 CDI em primeira mão, no valor de 95 mil euros, que continua em seu nome, apurou o CM. Anteontem à noite, porém, o ex-primeiro-ministro deixou o carro de luxo com o motorista e apresentou-se na RTP, para a sua primeira entrevista desde que regressou de Paris, ao volante de um Volskwagen Golf alugado.
Sócrates adquiriu o Mercedes, novo, em agosto de 2011 - pouco depois de ter sido derrotado nas eleições de 5 de junho e de ter saído do Governo no dia 21 do mesmo mês. Mas na RTP, quarta--feira, afirmou: "A primeira coisa que fiz quando saí de primeiro--ministro foi pedir ao meu banco um empréstimo para ir viver um ano para Paris, sem nenhuma responsabilidade ao nível profissional." O ex-líder do PS não referiu, porém, ter contraído qualquer empréstimo para comprar um classe S por 95 mil euros.
Isto apesar de, segundo as suas palavras, ter "uma única conta bancária há mais de 25 anos" e nunca ter tido contas a prazo, nem ações, nem offshores, nem contas no estrangeiro: "Fiz esse ano e meio de estudo [em Paris] e agora recomecei a trabalhar."
Sócrates falava do novo emprego como presidente do Conselho Consultivo para a América Latina da farmacêutica Octapharma, que teve negócios de sucesso com o seu governo.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, nascido a 6 de setembro de 1957, cresceu na Covilhã com o seu pai, Fernando Pinto de Sousa, arquiteto que ajudou a fundar o PSD naquela cidade. Tinha dois irmãos mais novos, um homem e uma mulher, que já morreram.
A VIDA DE JOSÉ PINTO DE SOUSA
Foi secretário-geral do Partido Socialista de setembro de 2004 a julho de 2011 e primeiro-ministro entre 12 de março de 2005 e 21 de junho de 2011. Além desses cargos, Sócrates foi secretário de Estado Adjunto do Ministério do Ambiente e ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território no governo de António Guterres, e um dos organizadores do campeonato de futebol UEFA Euro'2004 em Portugal.
Ao longo da carreira política, foi acumulando casos, a começar pela investigação ao licenciamento do Freeport, passando pela sua licenciatura em engenharia, técnica ou civil, até ao seu envolvimento num plano de controlo da comunicação social, apanhado em conversas com o amigo de longa data Armando Vara.
PARIS CUSTA 15 MIL EUROS/MÊS
O ex-primeiro-ministro foi estudar para Paris, em 2011, quando perdeu as eleições. Arrendou um apartamento no bairro 16, uma das zonas mais ricas da cidade, onde as rendas começam nos sete mil euros, e pagava uma propina de 1083 euros na faculdade. A escola privada do filho custava mais dois mil. Apreciador de restaurantes de luxo, com vinhos que custam 200 euros, as despesas mensais da vida de Sócrates em Paris atingiam os 15 mil euros.
CASOS SUSPEITOS
ASSINA CASAS DE GOSTO DUVIDOSO NA GUARDA: Nos anos 80, José Sócrates assinou vários projetos de casas, de gosto duvidoso, no concelho da Guarda, havendo, no entanto, suspeitas sobre a real autoria dos mesmos. Suspeita-se de que não foi o engenheiro técnico da Covilhã a realizá-los.
FAVORECIMENTO A EMPRESA INVESTIGADO: Sócrates era secretário de Estado do Ambiente, em 1996, e foi o responsável político pelo lançamento do projeto do aterro da Cova da Beira. Foi investigado por suspeitas de favorecer a empresa do seu antigo professor António Morais, que foi acusado.
DCIAP INVESTIGOU LICENCIATURA NA UNI: A licenciatura em engenharia civil na Universidade Independente (UnI), com notas lançadas ao domingo e quase todas as cadeiras dadas por António Morais, que foi arguido no processo Cova da Beira, foi investigada pelo DCIAP, que arquivou.
SUSPEITO DE EXIGIR 500 MIL CONTOS: A investigação ao licenciamento do Freeport visou Sócrates, pelas decisões como ministro do Ambiente, mas nunca foi acusado. Em tribunal, testemunhas garantiram que Sócrates exigiu 500 mil contos (2,5 milhões de euros) para viabilizar o outlet.
ATENTADO CONTRA O ESTADO DE DIREITO: Nas escutas a Armando Vara, José Sócrates foi apanhado a delinear um plano de controlo da comunicação social. O procurador da comarca do Baixo Vouga quis acusá-lo de atentado contra o Estado de Direito, mas o então PGR, Pinto Monteiro, travou.
FARMACÊUTICA VENDE POR AJUSTES DIRETOS: Sócrates preside desde janeiro ao Conselho Consultivo para a América Latina da Octapharma, farmacêutica que controla o mercado dos derivados do plasma de sangue e que desde 2008 pode vender aos hospitais públicos por ajuste direto.
DEZ PERGUNTAS PARA JOSÉ SÓCRATES
1 Manipulou as cúpulas do Ministério Público e da magistratura nos processos da Cova da Beira, Freeport e Face Oculta?
2 Consegue provar que nunca teve na sua posse, ou na dos seus colaboradores, o despacho do PGR Pinto Monteiro que o tirou do processo Face Oculta antes de ele ser enviado para os autos?
3 É verdade que tentou controlar toda a comunicação social portuguesa, como indiciam as escutas do processo Face Oculta?
4 Não se sente corresponsável pelas imparidades da Caixa Geral de Depósitos e pelos abusos na concessão de crédito especulativo do banco público?
5 Não se sente responsável pelas imparidades de centenas de milhões de euros concedidos a empresários amigos pela Caixa e outros bancos privados no assalto ao poder do BCP?
6 Se não tinha poupanças e não tem rendimentos, como é que comprou o Mercedes em 2011?
7 Como é que a CGD lhe dá um empréstimo para ficar em Paris sem garantias?
8 Como é que a sua mãe comprou a casa em Lisboa através de uma offshore?
9 Como é que arranjou dinheiro para comprar a casa num prédio de referência em Lisboa e como é que justifica o facto de o seu apartamento ter custado metade de outro idêntico vendido a outro comprador?
10 Nunca tomou decisões no governo que envolvessem a farmacêutica que agora o contratou?
"ESTOU BEM, OBRIGADO E MUITO OCUPADO"
O CM tentou ontem contactar José Sócrates para que respondesse às questões, mas este não se mostrou disponível. Só ao terceiro telefonema atendeu a chamada, mas limitou-se a dizer: "Estou bem, obrigado, e muito ocupado." A CMTV deslocou-se também ao prédio onde tem um apartamento em Lisboa e tocou à porta, mas ninguém atendeu.
CAVACO CONTRA "RETÓRICA VAZIA"
O Chefe de Estado, Cavaco Silva, não deu resposta direta aos ataques do ex-primeiro--ministro José Sócrates, mas fez questão de escrever ontem no Facebook que "não é através de uma retórica inflamada e vazia de conteúdo que se defende o interesse nacional e se contribui para a recuperação económica e para o combate ao desemprego". E destacou as empresas que visitou esta semana.
SEGURO FICA EM SILÊNCIO
Os socialistas Francisco Assis e José Junqueiro vieram ontem defender a entrevista do antigo primeiro-ministro. Assis acredita que Sócrates não criará problemas à direção do PS e Junqueiro diz que o ex-líder elogiou o partido. Já António José Seguro, que foi visado na entrevista, ainda que indiretamente, mantém-se em silêncio. Fonte socialista justifica com uma gripe, que o obriga a repousar em casa.
DO 'PÚBLICO' PARA RTP APÓS CASO ESCUTAS
Paulo Ferreira trocou o ‘Público' pela RTP três meses após o diário noticiar que a Presidência da República suspeitava de escutas por parte do governo socialista, liderado por José Sócrates. Uma notícia que surgiu em plena campanha eleitoral. Em novembro de 2009, o atual diretor de Informação da RTP entrou no canal como editor da Economia, cargo que ocupou até substituir Nuno Santos à frente da Informação da RTP, em dezembro de 2012.